Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
461/15.3T8GRD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DO DESPEDIMENTO
AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO
FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO
Data do Acordão: 11/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA – GUARDA – INST. CENTRAL – SEC. DE TRABALHO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 98º, Nº 1 DO C.P.TRABALHO; 353º, 357º, NºS 4 E 5, E 382º, Nº 2, AL. D) DO C. TRABALHO DE 2009 (DEC. LEI Nº 295/2009, DE 13/10).
Sumário: I – Do nº 4 do artº 357º do C. do Trabalho decorre que pretende o legislador que a decisão do despedimento seja, pelo empregador, ponderada e que ao trabalhador seja dada a conhecer a motivação dessa decisão.

II – Quanto à ponderação deve ela assentar no circunstancialismo fáctico que o empregador considera como assente, sendo este o elemento fundamental de tal decisão.

III – A total não descrição circunstanciada, na decisão de despedimento, dos factos considerados provados conduz à invalidade do procedimento disciplinar.

Decisão Texto Integral:
                                  
                        Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:                                                          

                        A... (adiante designado por Autor) instaurou a presente acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, com processo especial, contra B... , C... E D... (adiante designados por Réus), através do formulário a que se alude no artº 98º, nº 1, do Cod. Proc. Trabalho, na versão do  Decreto-Lei nº 295/2009 de 13/10, alegando que foi despedido pela Ré em 28 de Fevereiro de 2013. 

                        Frustrada a tentativa de conciliação realizada em audiência das partes, os Réus apresentaram articulado de motivação do invocado despedimento, no qual  alegaram, em síntese, que o procedimento disciplinar foi válido e que o Autor cometeu factos integradores de justa causa de despedimento.

                        Com tais fundamentos, requereram a declaração da regularidade e licitude do despedimento, com a improcedência da acção.

                        O Autor apresentou contestação / reconvenção, onde invocou a nulidade do procedimento disciplinar e a inexistência de factos integradores da justa causa de despedimento.

                        Em reconvenção, formulou o seguinte pedido:

                        “Devem os réus ser condenados a pagar ao autor, a título de créditos vencidos, relativos aos meses de Novembro e Dezembro de 2014, e respectivo subsídio de Natal, e Janeiro e Fevereiro de 2015, a quantia global de € 2 235,00.

                        b) Deve declarar-se nulo o processo disciplinar e ilícito o despedimento e, por via disso:

                        1- Devem os réus ser condenados a pagar ao autor todas as retribuições que deixou de auferir, desde a data do seu despedimento em 28/02/2015, até à data do trânsito em julgado da decisão da presente acção, aí incluídas férias, subsídio de férias e de Natal, que entretanto se vencerem, nos termos do disposto no artigo 390.º do CT.

                        2 - Devem ainda os réus ser condenados a pagar ao autor uma indemnização a calcular nos termos das disposições combinadas dos artigos 389.º e 391.º do CT, pela qual desde já opta em prejuízo da reintegração, no montante de € 43 646,40 (quarenta e três mil seiscentos e quarenta e seis euros e quarenta cêntimos);

                        Caso assim se não entenda e sem prescindir:

                        c) Deve o tribunal declarar a improcedência do motivo justificativo do despedimento promovido pelos réus e, em consequência, declarar-se a ilicitude do despedimento e por via disso:

                        1 - Devem os réus ser condenados a pagar ao autor todas as retribuições que deixou de auferir, desde a data do seu despedimento em 28/02/2015, até à data do trânsito em julgado da decisão da presente acção, aí incluídas férias, subsídio de férias e de Natal, que entretanto se vencerem, nos termos do disposto no artigo 390.º do CT.

                        2 - Devem ainda os réus ser condenados a pagar ao autor uma indemnização a calcular nos termos das disposições combinadas dos artigos 389.º e 391.º do CT, pela qual desde já opta em prejuízo da reintegração, no montante de € 43 646,40 (quarenta e três mil seiscentos e quarenta e seis euros e quarenta cêntimos);

                        d) Mais devem os réus ser condenados a pagar ao autor, a título de danos não patrimoniais, importância a ser fixada pelo prudente arbítrio do tribunal, mas nunca inferior a € 5 000,00;

                        e) Os réus devem ainda ser condenados a pagar ao autor juros de mora, à taxa legal, sobre todas as quantias em dívida, desde o respectivo vencimento e até integral e efectivo pagamento, custas, procuradoria e o mais dos autos”.

                        Os Réus responderam à contestação.

                        Em sede de despacho saneador, o Sr. Juiz proferiu a seguinte decisão:

                        “Pelo exposto decide o Tribunal:

                                                                       I.

                        Declarar ilícito o despedimento de A...... promovido por B...... , C...... e D...... .

                                                                       II.

                        Condenar B...... , C...... e D...... , na qualidade de empregador, no pagamento ao trabalhador A...... das retribuições vencidas e vincendas desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento.

                                                                       III.

                        As custas serão determinadas a final”.        
                                                                       x
                        Inconformado, vieram os Réus interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
                        […]

                        O Autor não apresentou contra-alegações.

                        Foram colhidos os vistos legais, tendo o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.

                                                                       x
                        Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões,  temos, como única questão em discussão, a de saber se se verifica a ilicitude do despedimento por invalidade do procedimento disciplinar, por a respectiva decisão não se encontrar factualmente circunstanciada.
                                                                  x
                        Como circunstancialismo relevante temos o descrito no relatório do presente acórdão.

                                                                       x
                        - o direito:
                        Entendeu o despacho saneador recorrido que o procedimento disciplinar é inválido, alinhando para tanto a seguinte argumentação:

                        “O trabalhador alega a invalidade do procedimento disciplinar, em virtude de o empregador ter invocado factos que não constam da nota de culpa ou da resposta a esta, por um lado, e por ausência de factos e da especificação dos fundamentos da decisão, por outro.

                        Respondeu o empregador alegando o cumprimento das exigências legais de fundamentação da decisão e ainda que os factos invocados constam da nota de culpa. Em qualquer caso, o incumprimento de tais normas não implica a invalidade do procedimento judicial.

                        Na aparência encontramo-nos perante duas questões distintas.

                        Porém, no caso vertente, as questões surgem interligadas.

                        De acordo com o artigo 357º, nos 4 e 5, do Código do Trabalho:

                        “4 – Na decisão são ponderadas as circunstâncias do caso, nomeadamente as referidas no nº 3 do artigo 351º, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador e os pareceres dos representantes dos trabalhadores, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade.

                        5 – A decisão deve ser fundamentada e constar de documento escrito”.

                        Ainda que esteja em causa uma microempresa, estas exigências não resultam afastadas, uma vez que o artigo 358º dispensa apenas as formalidades previstas no nº 2 do artigo 353º, no nº 5 do artigo 356º e nos nos 1, 2 e 6 do artigo 357º, bem como a referência na decisão aos pareceres de representantes dos trabalhadores (artigo 358º, nos 1 e 2, do Código do Trabalho).

                        A exigência de fundamentação da decisão incide sobre dois aspetos: a matéria de facto e o juízo de direito.

                        Se este último aspeto não pode ser visto em toda a sua amplitude, perspetivando-se a decisão como uma sentença judicial, sendo limitado à ponderação da adequação da sanção disciplinar de despedimento aos factos considerados provados, já ao nível da matéria de facto não vislumbrámos restrições.

                        Assim, o cumprimento da exigência legal compreende de modo necessário a descrição circunstanciada dos factos considerados provados.

                        Essa exigência radica nas garantias de defesa do trabalhador, que tem o direito de conhecer a factualidade em que assenta a decisão, não só para formular um juízo sobre a adequação da sanção, como ainda para poder controlar a observância das regras legais.

                        Efetivamente, como dispõe o nº 4 do artigo 357º do Código do Trabalho, na decisão não podem ser atendidos quaisquer factos que não constem da nota de culpa ou da resposta a esta.

                        Ora, como poderá o trabalhador controlar o cumprimento desta norma se a decisão for omissa quanto aos factos que a fundamentaram?

                        Assim é que, no ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO DE 10/09/2012, IN HTTP://WWW.DGSI.PT, se discorreu:

                        “Por sua vez, dispõe esse artigo 357º, nº 4, que “Na decisão são ponderadas as circunstâncias do caso, nomeadamente as referidas no nº 3 do artigo 351º, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador e os pareceres dos representantes dos trabalhadores, não podendo (…)”.

                        Do nº 4 do artigo 357º decorre que pretende o legislador que a decisão do despedimento seja, pelo empregador, ponderada e que ao trabalhador seja dada a conhecer a motivação dessa decisão.

                        Quanto à ponderação deve ela assentar no circunstancialismo fáctico que o empregador considera como assente, sendo este o elemento fundamental de tal decisão na medida em que é ele que, na perspetiva do empregador, justifica o despedimento e, bem assim, porque é ele que irá balizar a decisão do trabalhador de impugnar, ou não, judicialmente essa decisão. E, na medida em que a decisão não permita ao trabalhador saber por razão é despedido, a decisão de despedimento padeceria do vício apontado na norma. No mais, não se nos afigura que o dever se fundamentação seja extensível às questões, designadamente de direito, que o trabalhador entenda ser de invocar na resposta à nota de culpa.

                        A decisão do despedimento não reveste as características de uma sentença, não se exigindo nível de fundamentação idêntico ao de tal peça processual, designadamente a obrigação de fundamentação das questões de direito que o trabalhador possa suscitar na resposta à nota de culpa.

                        Por outro lado, o procedimento disciplinar é um “processo de parte”, em que o empregador não se posiciona como uma entidade que tenha a obrigação de equidistância relativamente ao objeto do procedimento. Acresce que, e tendo em conta que sempre o trabalhador tem a faculdade de impugnar judicialmente o despedimento, a consequência de o empregador não ponderar devida ou adequadamente seja a prova que haja sido produzida no procedimento disciplinar, seja a argumentação de direito invocada pelo trabalhador em sede de resposta à nota de culpa, é o risco de poder vir a decair na ação judicial de impugnação do despedimento.

                        Por fim, tal entendimento não esvazia o procedimento disciplinar de conteúdo ou utilidade, sendo certo que este visa assegurar ao trabalhador o direito de defesa, através da possibilidade de consultar o processo disciplinar, de responder à nota de culpa e de arrolar prova. Se, facultado o exercício de tal direito, o empregador, depois, não atende ao que foi invocado pelo trabalhador ou à prova que por este foi oferecida e produzida, é um risco que corre por conta daquele, empregador, de poder ver, em sede judicial, naufragar a validade do despedimento” (o sublinhado é nosso).

                        Ora, a decisão é omissa quanto ao substrato factual que suporta a aplicação da sanção de despedimento.

                        Efetivamente, o empregador limitou-se a menções vagas, genéricas, suscetíveis de abarcar os factos descritos na nota de culpa, bem como quaisquer outros, sem que o trabalhador e o Tribunal estejam em condições de apreciar da regularidade da convocação de factos para fundar a decisão proferida.

                        É inequívoco que a decisão devia conter a menção aos factos considerados provados, daí partindo para a ponderação e fundamentação da decisão.

                        Note-se, aliás, que mesmo ao nível da ponderação exigida por lei, a decisão é praticamente omissa, limitando-se à declaração de “não haver condições de continuação de vínculo laboral”.

                        De acordo com o artigo 382º, nº 2, alínea d), do Código do Trabalho:

                        “2 – O procedimento é inválido se:

                        d) A comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos não for feita por escrito, ou não esteja elaborada nos termos do nº 4 do artigo 357º ou do nº 2 do artigo 358º”.

                        Do que se expôs resulta que a decisão não respeita as exigências formuladas nos artigos 357º, nº 4, e 358º, nº 2, do Código do Trabalho, o que acarreta a invalidade do procedimento disciplinar e a ilicitude do despedimento”.

                        Subscrevemos esta argumentação, concordando com a conclusão de que a total não descrição circunstanciada, na decisão de despedimento, dos factos considerados provados conduz à invalidade do procedimento disciplinar. Diferente seria se tal vício afectasse apenas parte dessa decisão, em que a solução seria a de não considerar, para efeitos da acção judicial de impugnação de despedimento, os factos não devidamente aí vertidos e circunstanciados em termos de tempo, modo e lugar.
                        Explicando:
                        É o seguinte o teor da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador:
                        “Pela  inobservância de instruções, reiterado incumprimento de ordens, uso do tempo de trabalho em seu proveito em detrimento do serviço e apropriação não consentida considero não haver condições de continuação de vínculo laboral porquanto considere-se desvinculado a partir do dia 28 de Fevereiro de 2015”.
                        Dispõe o artº 353º do CT de 2009 que a nota de culpa deve conter a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador, exigência que se prende com o exercício do direito de defesa do trabalhador e com o princípio da vinculação temática, este consagrado no artº 357º, nº 4, do mesmo CT, de acordo com o qual na decisão de despedimento não poderão ser invocados factos não constantes da nota de culpa, nem referidos na defesa escrita do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade.
                        Como se referiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/05/1989 (BMJ, 387.º, 408), «o processo disciplinar, na medida em que se traduz no exercício de uma actividade do empregador contra o trabalhador, que pode desembocar no despedimento deste, põe em causa o direito fundamental de segurança do emprego, consagrado no art. 53.º da Constituição da República, inserto nos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores. Por isso, o processo disciplinar ter-se-á de submeter aos princípios da defesa e do contraditório, com o escopo de conferir aos trabalhadores a necessária e conveniente defesa daquele direito. Isto representa um postulado da tendência marcadamente social desse direito, o qual plenamente se justifica, pois estão em causa meios de realização pessoal do trabalhador, da sua sobrevivência e, quiçá, do seu agregado familiar”.

                        A necessidade de descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador prende-se com o exercício do direito de defesa, sendo que tal descrição deverá ser apta a dar a conhecer ao trabalhador os concretos comportamentos que justificam, segundo o empregador, a justa causa invocada. E, por isso e conquanto não exista uma fórmula típica para tal circunstanciação, se tem entendido que ela envolve, por regra, a necessidade de indicação das circunstâncias de tempo, modo e lugar dos factos. Não obstante, a imposição da circunstanciação temporal não é, todavia, absoluta, podendo não ter necessariamente que ocorrer se a restante factualidade constante da nota de culpa e da decisão de despedimento permitir ao trabalhador, de forma segura, conhecer e situar no tempo o concreto (e não genérico) comportamento que lhe é imputado e, assim, defender-se adequadamente. Se a acusação imputada estiver, em termos concretos e não genéricos, circunstanciada de modo a que permita ao trabalhador saber a que concreta situação se reporta o empregador, dá este cumprimento à exigência legal na medida em que não é posto em causa o exercício do direito de defesa, sendo  este o desiderato da norma.
                        Importa também referir que o despedimento não poderá ser motivado em factualidade que não haja sido imputada ao trabalhador na nota de culpa ou referida na defesa escrita do trabalhador, salvo se atenuar a responsabilidade.

                        Para que a regra constitucional da proibição dos despedimentos arbitrários assuma verdadeira eficácia prática, é necessário não apenas que o despedimento se funde em justa causa, mas igualmente que o mesmo tenha sido precedido de procedimento disciplinar válido, que assegure ao trabalhador, de forma eficaz, a defesa contra os factos de que é acusado.

                        Daí que a lei sancione com a invalidade do processo disciplinar a inobservância de algumas das regras atinentes a esse processo, que ponham em causa tal direito de defesa.

            O procedimento disciplinar contém várias fases:

                        -fase do inquérito ou investigação, destinada a verificar a existência da infracção, as circunstâncias determinativas da sua gravidade e a identificação dos seus agentes;

                        -fase acusatória, na qual é formulada a nota de culpa, acompanhada da intenção de despedimento;

                        -fase da instrução, quando não tenha havido prévia colheita de provas e haja que fundamentar e/ou esclarecer o acusatório;

                        -fase de defesa, com resposta à nota de culpa, que é a peça em que o trabalhador apresenta a sua defesa;

                        -fase de decisão, precedida ou não de relatório do instrutor, em que a entidade detentora do poder disciplinar aplica a sanção, fundamentando-a;
                        -fase da execução, com entrega prévia da decisão ao trabalhador.

                         Temos que o artº 357º do CT, nos seus nºs 4 e 5, dispõe:

                        “4 – Na decisão são ponderadas as circunstâncias do caso, nomeadamente as referidas no n.º 3 do artigo 351.º, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador e os pareceres dos representantes dos trabalhadores, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade.
                        5 – A decisão deve ser fundamentada e constar de documento escrito”.
                        O procedimento será inválido se a “comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos não for feita por escrito, ou não esteja elaborada nos termos do n.º 4 do artigo 357.º ou do n.º 2 do artigo 358.º” - nºs 1 e 2, al. d), do artº 382º do CT.

                        Ora, essa exigência legal de fundamentação – do artº 357º, nºs 4 e 5- só se pode considerar preenchida se o trabalhador tiver possibilidade de, através do conteúdo dessa decisão, tomar pleno conhecimento dos factos que lhe são imputados e que, na perspectiva da entidade empregadora, constituem justa causa de despedimento, por tornarem pratica e imediatamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

O despedimento é a mais grave das sanções legais previstas para comportamentos geradores de crise na relação jurídico-laboral, precisamente porque põe termo a essa relação. Daí que importe que o trabalhador tome o perfeito conhecimento, tenha a possibilidade de percepcionar, em toda a sua extensão e significado, a factualidade que, no entender da sua entidade patronal, torna imediata e praticamente impossível a continuação da execução do contrato de trabalho. É que os interesses em jogo não são propriamente insignificantes: o salário proveniente do trabalho subordinado é, na grande maioria das vezes, a única fonte de rendimentos do trabalhador, de que depende a sua subsistência e do seu agregado familiar.

                        O legislador ao estatuir a obrigatoriedade de redução a escrito da decisão de despedimento e da ponderação e fundamentação nos termos dos citados nºs 4 e 5 do artº 357º do CT, visou essencialmente proporcionar ao trabalhador o perfeito conhecimento dos factos que motivaram a aplicação de tal sanção e, consequentemente, habilitá-lo a, caso assim o entenda, insurgir-se contra a mesma, por meio dos instrumentos legais ao seu dispor. Ora, a falta de conhecimento dos exactos termos da decisão, decorrente da ausência de descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados é equiparável à ausência de decisão escrita, posto que ambas têm o mesmo efeito: o de fazer perigar ou mesmo precludir a possibilidade de o trabalhador se insurgir cabalmente contra a sanção de que foi alvo. Assim, pese embora o teor literal da norma contida na al. d) do nº 2 do artº 382º do CT, mas não olvidando também que a mesma remete para preceitos que enunciam a obrigação de comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e da ponderação das circunstâncias do caso, entendemos que a falta, na decisão de despedimento, de descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador é subsumível à situação elencada nessa al. d), como tal, importa a invalidade do procedimento disciplinar e, logo, de acordo com o disposto no n° 1 do mesmo preceito, a ilicitude do despedimento.

                        No caso em apreço, não são precisas grandes considerações de carácter teórico para constatar que a decisão de despedimento não respeita minimamente a aludida necessidade de circunstanciação em termos de tempo, modo e lugar, para efeitos de consideração de uma infracção disciplinar.

                        Sendo que se chegaria sempre à conclusão da ilicitude do despedimento por outra via:

                        É que dispõe o artº 387º, no seu nº 3, que na “acção de apreciação judicial do despedimento, o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes de decisão de despedimento comunicada ao trabalhador”.

                        Percorrendo essa decisão, não encontramos um único facto concreto que possa ser valorado como infracção disciplinar (mas apenas juízos conclusivos), e muito menos como justificativo da aplicação da sanção de despedimento.

                        Improcede, assim, o recurso.

                                                                       x

                        Decisão:

                        Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

                        Custas pelos apelantes.

                                                                      

                                                                       Coimbra, 05/11/2015

                                              

                                                                       (Ramalho Pinto)

                                                                     (Azevedo Mendes)

                                                               (Joaquim José Felizardo Paiva)